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Gente que Pedala #34 - Hila Rocha


Quando criei a coluna Gente que Pedala, me lembrei de um relato da biker Hila Rocha, onde ela contava que começou uma cicloviagem que iria até uma determinada cidade, mas que, estava tão bom e ela estava curtindo tanto, que foi parar na divisa de SC e RS, centenas de quilômetros além do planejado ! :)

Depois de muito tempo, consegui encontrá-la e solicitar-lhe o depoimento. Valeu à pena esperar!

Após ler a história ciclística da Hila, deu até vontade de comprar uma barraca, instalar uns alforjes, arrumar a bagagem, subir numa bike e começar a sentir o prazer de fazer viagens longas de cicloturismo! :)

Depoimento da  biker Hila Rocha


Ao retornar  hoje de um passeio de bicicleta para o sul da ilha, onde vi baleias-franca nadando  próximo a costa, tomei um caldo de cana delicioso, almocei um talharim com funghi, desfrutei da paisagem das praias do Campeche, Morro da Pedras, Armação, Pântano do sul, Balneário dos Açores, recebo um convite para compartilhar um pouco da minha vida, mais especificamente o que se refere ao uso da  bicicleta.

Tenho 57 anos, sou Farmacêutica, moro em Florianópolis e uso a bicicleta como principal meio de transporte, para trabalho, compras, passeios, viagens. Adotei este meio de locomoção há alguns anos quando percebi que era mais divertido e prazeroso, além de proporcionar autonomia, facilidade de acesso e colaborar para diminuir a poluição atmosférica. Participei de algumas competições de Mountain Bike e de desafios de longa distância mas prefiro usar a bicicleta de forma mais relaxante e mais integrada nas atividades diárias.


Pedal no Carnaval em 2013
Percebo que o uso da bicicleta  nos deixa mais sensíveis, mais observadores dos detalhes a nossa volta, tanto detalhes naturais como os pormenores da cidade , incluindo as pessoas e suas atitudes . Tudo fica mais próximo: a interação e  a receptividade são maiores. Por outro lado, a fragilidade de nossa condição de ciclista  nos faz mais solidários com os outros elementos vulneráveis na sociedade e na natureza. 

Devido a falta de condições favoráveis ao uso da bicicleta  em Florianópolis e região, há cerca de 10 anos passei a participar de atividades de cicloativismo através do  movimento Bicicletada e da Associação dos Ciclousuários da Grande Florianópolis – Viaciclo.   Houve alguma melhora na estrutura cicloviária mas o crescimento da cidade e da frota automobilística supera as tímidas iniciativas favoráveis ao uso da bicicleta. Espero que as novas lideranças que estão surgindo tenham persistência para continuar a exigir mais investimento dos governantes e mais envolvimento da sociedade.

Frequentemente passo por situações de perigo, sou alvo de  comportamento agressivo dos condutores de veículos motorizados, mas há muitas pessoas educadas e gentis, o que compensa a grosseria dos demais. 

Mesmo em dias de chuva e frio eu uso a bicicleta, bastando  vestir roupas adequadas. Tenho uma bicicleta adaptada para trabalho e compras, com bagageiro e para-lama e outra para trajetos mais longos. Sempre tive sorte de trabalhar em locais com estrutura que permite tomar banho e guardar a bicicleta em local seguro. Atualmente meu local de trabalho é muito próximo da minha casa e mesmo no verão é só ir pedalando devagar para não precisar de banho. Esta é uma das razões que as pessoas alegam para não usar a bicicleta, alegam que chegam suados no trabalho, mas no inverno também não usam a bicicleta porque dizem que está muito frio.


Curtindo viagem de Cicloturismo
Quando criança morei em uma cidade pequena, Palhoça, onde meu pai usava bicicleta para trabalhar, passear, fazer compras. Era uma bicicleta enorme e eu com 7 anos tentava aprender a pedalar sozinha colocando a perna por dentro do quadro e me apoiando numa cerca de madeira até que, num dia memorável, consegui me soltar e sair pedalando, triunfante. Havia aprendido sozinha! Passei a andar sempre com bicicletas emprestadas, aproveitando cada chance que surgia.  Um dia, ainda criança fui visitar minha prima usando uma aro 20, numa distância de 12 km por ruas movimentadas e fiquei eufórica pela façanha. Foi minha primeira viagem de cicloturismo! 


Viagem para Urubici
As viagens seguinte foram bem mais longas, e aconteceram muitas décadas depois. Comecei a viajar de bicicleta indo para Angelina, próximo a Florianópolis, inicialmente em grupos organizados,  as vezes indo até nova Trento. Depois arrisquei ir até Urubici com amigos , acampando, numa viagem de 10 dias. Passei a fazer viagens sozinha nesta região, seguindo trajetos diversos, acampando ou ficando em pousadas.


Viagem pelo Chile
Quando dois amigos convidaram para uma viagem ao Uruguai, concordei imediatamente e tratei de comprar  barraca,  equipamento de viagem e roupas mais leves. Devido a problemas pessoais meus amigos tiveram que cancelar a viagem mas eu não desisti e fui sozinha, deixando amigos e filhos preocupados. A viagem foi maravilhosa, encontrei pessoas amigas, os problemas eram resolvidos rapidamente, foi tudo tão bom , achei tudo tão  fácil  que ao  voltar já fui planejando outra viagem para os Andes e Carretera Austral no chile. Depois fui para Portugal, Espanha, Cuba.

Pedalando em Portugal
 Em Santa Catarina já fiz várias viagens por diversas regiões, falta conhecer o oeste. Na temporada de baleias há três anos fui acampando pelas praias, depois fui até nos cânions. Foi lindo de manhã acordar,  abrir a barraca, armada no costão da praia do Rosa e avistar baleias na praia.


Nos Cânions na divisa SC/RS


Com a Bicicleta e a Barraca durante Cicloviagem,
na Praia do Rosa Norte, onde avistou baleias
Para conhecer a região do Contestado também levei a barraca e como é uma região com pouca estrutura para camping fiquei em algumas  escolas e até em campo de futebol. 

Quando pedalei nos Andes foi maravilhoso, paisagem deslumbrante, língua diferente, comida diferente. No sul do Chile foi o êxtase, natureza preservada, poucos carros, mares, rios , vulcões, glaciares. O desafio físico foi grande devido as condições das estradas de rípio , ao peso da bagagem, ao frio e a chuva, mas foi tudo muito gratificante, muito gostoso, a paisagem valia o esforço das subidas, a comida  recuperava a energia, o vinho ajudava a dormir e conheci muita gente simpática e agradável. 


Em Santa Isabel
Quando viajo sempre gosto de conhecer a cultura local: se é uma cidade  vou aos museus e sempre visito lugares históricos, em todo lugar converso com muita gente, pergunto tudo sobre costumes, história, aspectos naturais, quero  saber sobre a água e o lixo, se há reciclagem, se há poluição. As vezes  é triste a situação quanto a aspectos ecológicos, outras vezes é alentador, proporciona esperança de melhores condições e mais consciência ecológica. 

Outras viagens que fiz foram na região do litoral do Paraná, para onde fui pedalando desde Florianópolis por caminhos alternativos e depois pedalei um pouco pelo interior do Paraná.
A última viagem que fiz foi na serra da Mantiqueira, que divide São Paulo e Minas Gerais, um lugar lindo com altimetria considerável, estradas de terra, cidades pequenas, pessoas simples, comida boa, pousadas aconchegantes, frio gostoso, ar puro, água da mina.


Pedalando do Chile para a Argentina
Em cada viagem acontecem coisas que me deixam impressionada, coincidências que os esotéricos chamariam de sinais, outros diriam providência divina, eu não dou nome, só arregalo os olhos e aproveito a situação favorável, grata e feliz.  Quando estava começando a pedalar na Carretera Austral, no sul do Chile,  lembrei que iria precisar de uma chave de boca para colocar  um reforço no bagageiro.  Após alguns metros o câmbio trancou e precisei parar. Exatamente onde parei havia uma chave de boca caída na estrada! Inacreditável, assim como muitas outras coisas que me acontecem nestas viagens. As vezes parece que tudo vai dar errado mas é o errado que faz tudo dar certo. 


Caminho Primitivo na Espanha
Quando fui para Portugal optei por fazer os caminhos de Santiago de Compostela devido a facilidade de hospedagem com preço baixo. Foi uma ótima escolha, é uma maneira de conhecer Portugal e Espanha com um roteiro por caminhos tranquilos e sinalizados. Fiz o caminho português e depois fiz o caminho primitivo, retornando a Lisboa pelo litoral. Foi uma viagem maravilhosa que recomendo a quem quiser conhecer estes países. 


Na Ilha de Cuba
Uma viagem que considero especial foi na ilha de Cuba, um antigo projeto de viagem que eu tinha há anos para ver o que todos comentam e poucos conhecem de perto. Nesta viagem fiz o possível para fugir do esquema turístico tradicional, fazendo coisas ilegais, usando serviços não autorizados pelo governo em hospedagem e transporte e usando serviços destinados exclusivamente a cidadãos cubanos, enfim, saindo da redoma em que  os turistas são confinados. Foi uma experiência bem diferente e muito marcante. 

O que acho mais gostoso  é sair sem compromisso, ir até uma praia, tomar um caldo de cana, almoçar ou jantar num lugar sossegado, na beira da praia, sem hora de  voltar ou de  sair. Por isso geralmente saio sozinha, na hora que estou a fim, sem programação, assim como fiz hoje, voltando ao que falei no começo desta estória. Compromissos já temos no trabalho e  família, hora marcada é para médico e dentista. 

Gosto de conversar sobre viagens e sempre que alguém pede  eu tenho muita disposição em fornecer informação, indicar locais, pousadas, roteiros, até ir junto as vezes. Quero que todos tenham experiências tão boas como as que tive nas viagens que fiz. 


Palmas das Gaivotas - SC, com amigos
Aos amigos que  me influenciaram e me ensinaram sobre técnicas, equipamentos, roteiros e aos amigos que  me serviram de exemplo sou grata a todos. Se estas pessoas lerem este relato saberão que estou me referindo a elas, amigos que me iniciaram nos caminhos de terra, nos caminhos do cicloturismo. Um amigo especial não lerá isto, pois já morreu, refiro-me ao nosso amigo Valdo, que foi um grande exemplo pra mim. Espero morrer como ele, dormindo em uma barraca, e não de forma violenta como tem acontecido frequentemente aos que como eu se aventuram diariamente nas ruas tentando compartilhar espaço com veículos motorizados dirigidos por pessoas de mentalidade idem. 

Circuito Vale Europeu
Pedalando nos Andes
Em Cuba

4 comentários

  1. Muito linda sua história de vida sobre bicicletas.
    Aprendemos a pedalar da mesma forma: em bicicletas grandes passando a perna no meio do quadro e usamos bicicletas emprestadas na infância. Como eu quero ver esta cultura do uso da bicicleta como elo socializante entre as pessoas, entre as gerações. Parabéns!!!

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  2. Espetacular!

    Com certeza você serviu de inspiração para mim e para a Thaís em nossa aventura para o Oeste do PR.
    Realmente, quando lemos um relato como este a vontade é de subir na bike e viajar, mesmo sendo 11 horas da noite, eheheh.

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  3. Irado!
    Sempre que a vejo passando de bike é visível em seu rosto a alegria de estar pedalando, porém jamais poderia imaginar o tanto de vida ciclística que ela guarda. Pessoas assim deveriam existir muitas mais neste mundo, como inspiração ou exemplo, deu outro sentido ao verbo pedalar.
    Um grande abraço!

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  4. Ila é o melhor exemplo da pessoa que supero-se da etapa em que os demais fican atrapalhadas no sistema. Parabéns minha amiga e continua nessa trilha.

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